Hoje vou falar de Fotografia. A Fotografia, como sabe qualquer indígena duma tribo remota cujo nome nunca me ocorre, rouba e captura o espírito do retratado, pelo que deve ser praticada com a máxima parcimónia e o respeito que é devido. Tal como não se deve puxar o fio que prende a porta da armadilha senão quando o tigre, ou pelo menos o coelho, está dentro da gaiola, também o botão da máquina não deve ser premido com leviandade. O que é demais é pecado, ou pelo menos peca por excesso, e qualquer fotógrafo que dispare mais que meia dúzia de vezes por hora fotógrafo não é, a não ser que o seja de corridas de automóveis. Por isso é que, duzentos e trinta anos passados, ainda não vi as fotos do meu casamento. E muito menos o vídeo, meu Deus, para mim vídeo é fotografia histérica, mas não, não vi nem as fotografias. E não há mal nenhum nisso.
Há uns anos, fui ao Louvre e, como talvez se compreenda, fiz questão de ver a Mona Lisa, a do Da Vinci, que a minha vejo-a todos os dias ao espelho, e o seu sorriso de quem acaba de saber que lhe ofereceram um livre-trânsito para um parque aquático na Noruega, válido de Janeiro a Fevereiro. E mal consegui ver o dito famoso sorriso, porque aqueles japonezinhos insuportáveis que pululam no Louvre se revezavam para posar à frente da Gioconda, exibindo em sorriso alarve o corta-palha, e trocando logo de seguida de posição com os seus comparsas, agora vens para aqui tu, e disparo eu. Ainda lhes perguntei se não queriam que fosse eu a disparar, que os conseguia apanhar duma vez a todos, mas não atingiram a ironia. Curiosamente, os cerca de 5000 que observei durante dez minutos nunca uma só vez olharam para o quadro. Para quê, se já tinham a Mona Lisa aprisionada na Nikon?
Agora com os telemóveis, o que era genocídio transformou-se em hecatombe e a câmara em câmara de gás. Já ninguém perde tempo a observar a Vida, saboreando enquadramentos como quem escolhe um robalo no mostruário. Pratica-se pesca de arrasto. Dispara-se contra tudo o que mexe e, mais cabeça cortada menos cabeça cortada, alguma coisa há-de ficar para mais tarde recordar, olha amor, que imbecis acéfalos que nós éramos. Deixa estar, amor, que tu ainda és. Não é bonita, a fotografia?