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Imagens de Arquivo
Logo à noite, não vou ver o Telejornal. Primeiro, porque já não me lembro de como se liga a televisão. Depois, porque já vi a reportagem que vai dar logo sobre as inundações em Lisboa e no Porto. Já a vi, mais precisamente, há quinze anos. Isso. Aquilo são imagens de arquivo de há quinze anos. Na altura, filmaram 236 populares e 2360 planos que ainda hoje são usados, sem necessidade de repetir. É como o Pátio das Cantigas, mas em molhado. Quem diz inundações, diz tudo o resto. Casa mortuária. Temos de ter uma, porque vive cá muita gente. Portagens. Acho mal, que não há via alternativa. Feira do Sexo. Vimos cá os dois para aumentar a criatividade da nossa relação. Incêndios. A gente chamámos os bombeiros mas eles demorarem dez minutos e isto ardeu tudo, e agora não sei como é que vai ser. Orçamento. Esperamos que o governo/oposição esteja à altura da responsabilidade, em face da grave crise com que o país se vê confrontado.
Será que estamos a viver no Matrix? Será que isto é tudo uma ilusão, incluindo o Medina Carreira? Será que se fintarmos os seguranças e espetarmos uma valente joelhada nas zonas ocultas do PM, e não me refiro ao Freeport, não acontece nada, faz-se rewind e pronto? Será por isso que não há meio de ele se ir embora? Não, isto é um país em replay. Algures na Alemanha, na régie, alguém desligou isto e pôs um cartão filmado a dizer «Pedimos desculpa por esta interrupção, a emissão não segue dentro de momentos.» Enfia a cassete do Missão Impossível e lá vamos vendo, vindo, jogando, conversando, viajando, discutindo, especulando, debatendo, criticando, ironizando, assistindo, cantando e rindo. Mesmas ideias, mesmas pessoas, mesmos talk-shows, mesmos cães de raça, mesmos cães de caça, mesmos canalhas, mesmos inocentes, mesmos canalhas inocentados, mesmas rotundas, mesmas magrosas, mesmas socialites, mesmas flash interviews, mesmos spreads, mesmos livros, mesmos chats, mesmos chatos, mesmos desastres naturais, mesmos conservantes, mesmos aromatizantes. Chega. Hoje, à hora do Telejornal, vou para a cama. Fecho a persiana até não haver uma única racha, enfio-me nos cobertores e ponho-me a sonhar. A ver se acontece alguma coisa.