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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Crónicas Agudas



O Rapto

Nestes tristes tempos ensimesmados de empatia embutida, os sinais confrontam-nos, mas não sabemos, ou queremos, ou podemos decifrá-los. O velhinho baixo e anafado de cabelo branco de neve faz-nos lembrar alguém, mas quem. Talvez com outra roupa que não fatos escuros e gravatas sombrias, talvez com um sorriso mais escancarado, lá chegássemos. Mas assim, o velhinho baixo e anafado de cabelo branco de neve é simplesmente a bête noire que nos aumenta de novo o IVA e corta o salário e tira da boca os remédios que nos permitiriam viver um pouco mais sem nada. É o ajudante do PM, o testa-de-ferro do PM, o spin doctor que sugere ao PM as farpas que nos espeta no lombo de manhã, e à tarde lhe dá os racionais e os números e os gráficos e os rácios que as desmentem e negam, mais os cenários risonhos com que o PM nos prova por a mais z que estamos quase a sair do buraco em que ele não nos meteu.
Estivéssemos nós porém atentos e notaríamos o ar triste de nowhere man do velhinho baixo e anafado de cabelo branco de neve. Tocariam campainhas nas entrelinhas que tenta preencher quando o PM está distraído a trocar os passos à oposição. Quando se queixa de não dormir bem com as medidas que é obrigado a tomar, em vez de ostentar o ar de satisfação mal travestida de pesar com que o PM, animal feroz, anuncia mais uma facada no tecido inerte da nação. Quando diz não, o senhor ministro das obras públicas não deve ter dito o que os senhores jornalistas dizem que ele disse, não, as grandes obras públicas podem mesmo ter de ser reponderadas. Quando ostenta um ar embaraçado se lhe perguntam porque não chegou o PEC 2 que há uns meses era mais que suficiente. Se afinássemos os ouvidos, poderíamos até imaginar o velhinho, há um ano, a aconselhar o PM a fazer o que tinha de ser feito então, para não acompanharmos agora os gregos a caminho do ralo. Enfim, teríamos dado crédito devido às notícias prontamente desmentidas de que o velhinho ameaçara demitir-se.
Não, estes são tempos de escutas, mas não de ouvir, não de ver e ler os sinais, os indícios, os gritos mudos que o velhinho baixo e anafado de cabelo branco de neve lança quando os holofotes estão sobre o PM. Se lhe déssemos ouvidos, perceberíamos que está sequestrado, foi raptado, não é senhor de si. E de repente, a ficha cairia, a peça do puzzle encaixaria, outra roupa, vermelha, apareceria, calças, gibão, barrete, barbas brancas de neve, ho ho ho. Como é que pudemos ser tão cegos. É ele. Raptaram o Pai Natal. O PM raptou o Pai Natal.