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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Crónicas Agudas


País Dá à Costa


O aquecimento global - ou, como se diz mais recentemente, para acautelar que os factos desautorizem as previsões, as alterações climáticas -, não param de nos surpreender com acontecimentos insólitos. Depois das baleias que se suicidam em massa junto à praia, depois dos pássaros que caem do céu em revoadas, eis que começam agora a dar às costas europeias, inopinadamente, não cetáceos, não aves, mas países.
Primeiro foi a Grécia, depois a Irlanda, agora Portugal. Neste caso, mais do que nos outros, choca que um país que sempre se soube marítimo, cujas migrações habituais percorreram séculos a fio todo o globo, mais que qualquer baleia, tubarão ou alforreca, do Mar do Norte ao Mar de Timor, do Atlântico Sul ao Índico, do Pacífico ao Mar da China, esteja agora à beira-mar encalhado, na costa ocidental da Europa, e daqui pareça não conseguir libertar-se.
As explicações dadas são muitas e diversas, mas a mais consensual é a alteração radical dos hábitos de alimentação ao longo das últimas décadas. Enquanto antes tinha de lutar diariamente pelo alimento, mantendo-se vivaz por pressão da lei da sobrevivência, vivia ultimamente à custa do alimento fácil que lhe era providenciado. Com o maná que lhe caía de terra, foi-se acomodando, engordando, perdendo agilidade, cada vez mais incapaz de percorrer os mares. Os seus habitantes, que in illo tempore apreciaram a mudança de vistas que lhes proporcionava a vida no mar, foram-se resignando a ser alimentados à mão. Até que quem dava a comida deixou de poder ou de querer. E o país passou a viver das reservas, ainda gordo, ainda flácido, mas cada vez menos musculado. E restava-lhe encalhar no sítio que um dia o viu nascer, num regresso melancólico ao ventre perdido. Os ecologistas tratam agora, sem grande entusiasmo, de lhe manter a pele húmida, trocando opiniões cépticas na praia sobre as possibilidades de sobrevivência, à espera duma maré viva que não há meio de chegar. O que ninguém consegue é fazê-lo flutuar, e isso por uma razão inamovível: cansado e abúlico, não quer. Mas diz quem sabe, contra a corrente,  que não será ainda desta a morte do país. Quando estiver prestes a exalar o último suspiro, quando perdido todos o acharem, o país terá um arremedo final e, entusiasmado por ter de novo lutar um dia de cada vez, não dependente de resultados alheios, dará um irresignado e violento golpe de cauda e voltará ao oceano, por mais vaza que esteja a maré. Pode bem ser. Há mais marinheiros que marés neste país desconcertante mas amado que há tanto tempo navegamos.