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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

SôZé


– E Pérolas, SôDalai?
– Hoje tenho uma de puro génio, SôZé.
– Já estou a salivar. Venha ela.
– Então reza assim. Algures na zona de Coimbra, um casal de maduros decide fazer um armazém pirotécnico na cave da moradia.
– Um casal de maduros, que em geral não é o mesmo que um casal maduro.
– Não. Geralmente é o contrário.
– Sei. Desses bravos que não se conformam com a aleatoridade do destino e decidem dar-lhe uma mãozinha.
– Isso. Como aqueles americanos que constantemente se lançam do telhado da vivenda para a piscina, armados de um simples chapéu de chuva, mas no fundo querem é estatelar-se na glória das lajes de cimento, qual Passeio da Fama.
– Mas com muito mais génio.
– Claro. E menos voyeurismo. Este casal, para ficar para a posteridade, não sente necessidade de ligar uma qualquer câmara de vídeo.
– Então liga o quê?
– Liga uma rebarbadora.
– Ah bom. Esse tipo de casal de maduros.
– Pois. Rebarbadora, chispa, bum.
– Um dia a casa vem abaixo.
– E esse dia foi domingo passado. Pausa. Ainda a poeira não assentou, e entra vox populi. Entra o inevitável popular que sai inevitavelmente duma inevitável moita próxima para relatar o sucedido com uma décalage de segundos, ou, se a tasca ficar longe, pelo menos uma versão verosímil da ocorrência.
– E cheira-me que também há um inevitável repórter local.
– Exacto. Segue o diálogo, sem mais delongas. «Ruiu totalmente?», pergunta o teleplumitivo. Responde o popular ocular: «Sim, parcialmente.»
– Bolas, SôDalai, agora fez-me chorar. Que lindo.
– O português é assim. Finge aceitar o que lhe impõem, seja troica, seja repórter, e depois avança com a sua versão da história, contraditória e essa é que fica para a história.
– O português rende-se, mas não se vende-se.
– Isso.